Comunicado Importante - 3 contos do blog serão publicados

É com muito orgulho que venho anunciar, que eu Debby Lennon e Sandra Franzoso iremos participar da antologia Jogos Criminais. A Antologia será lançada no dia 15/01/2011, Na Biblioteca Viriato Correa, situada a Rua Sena Madureira, 298 - Vila Mariana. Meus contos Anjo Perdido e Joana e Maria, já foram postados aqui no blog e agora está aperfeitoado e com mudanças no final,o mesmo acontece com o conto O Noivado da Sandra. Maiores informações em breve.

domingo, 5 de julho de 2009

# Olá, pessoas! Estou aqui, convidada pela Debby, a pedido da Rita. Agradeço muito a essas duas pelo convite, que me deixou sinceramente honrada.

# Sou Adriana "Strix" Rodrigues, aprendiz de cientista louca, escritora por acidente, caçadora de confusões por vocação. Nunca termino de me decidir se sou uma escritora policial que gosta do fantástico, ou de Fantasia, que adora um policial agatachristiniano.

# O conto a seguir teve o plot criado pela Rita, eu só peguei o roteiro e criei a história o mais fielmente possível. Como é um de meus textos mais densos, e como devo essa à Rita, foi o conto que decidi postar. Espero que aproveitem, e não sejam pegos pelo Cracachau...




O Terrível Cracachau

Plot por Rita Maria Félix da Silva


Férias! Era tão incrível pensar em férias depois de mais um período agitado da faculdade!

Os três jovens partiram de Belo Horizonte com destino às praias do Rio. Transbordavam de vontade de fazer coisas “muito loucas”, que compensassem os dissabores causados pelas aulas. Riam, faziam planos, contavam piadas sujas e discutiam as últimas dos esportes.

O céu estava vermelho, trovões ribombavam vez por outra. O ar tinha aquela opressiva sensação de que algo vai ocorrer, que normalmente precede os grandes pés d’água. Talvez o inconsciente dos três estivesse incomodado com o ambiente e quisesse se aliviar. Talvez eles fossem só inconseqüentes, mesmo. De qualquer modo, decidiram parar para beber alguma coisa antes de prosseguir viagem.

_Qual é a próxima cidade? _perguntou o que estava no assento do carona.

_Barbacena _o motorista respondeu. _Aquela cidade de gente doida.

_Minha mãe morria de medo de ir lá quando era criança _o terceiro emendou. _Achava que algum doido ia fazer alguma coisa ruim pra ela. Ela dizia que até o ar fica diferente quando você chega perto de Barbacena.

_Talvez porque a gente não pára de subir desde que saiu de BH _o motorista comentou, jocoso. _Meu ouvido está estranho, o de vocês não?

_Um pouco _um deles admitiu.

_Vamos tomar umas pra ver se passa _o outro sugeriu, com uma risada.

_Boa! Será que se a gente der um rolé na cidade, acha algum doido, mesmo? Ou é só lenda?

_Deve ser só lenda. Mas agora, fiquei morrendo de curiosidade para conhecer o lugar. De noite, deve ser ainda mais sinistro. Vamos entrar?

_Simbora!



Os rapazes rodaram um pouco pela cidade, mas ela pareceu francamente decepcionante. Apenas uma cidade do interior como outra qualquer, sem nada de diferente pelas ruas. Os mendigos que encontraram no caminho pareceram mais bêbados que loucos (não que os rapazes soubessem ao certo a diferença). O movimento era quase nulo, às onze da noite.

Depois de dirigir um pouco na região central, deram a volta e procuraram a estrada. Numa esquina particularmente escura, perceberam um pequeno bar. Chamava-se “Trem de doido”. Os três riram e decidiram parar ali mesmo, já que estavam procurando doidos.

Sentaram na melhor das duas mesas de plástico e pediram cerveja. Quando o balconista, único funcionário do local, os atendeu, um dos rapazes quis saber de onde tinha vindo a idéia do nome do bar.

_Foi do meu pai _respondeu, secamente. _O bar era dele. Assumi quando me aposentei.

Ele voltou a seu posto e os jovens começaram a conversar, regados por boas doses de etanol. Um se gabava de ter ido a um rodeio nas férias anteriores e “dado uma rapidinha” com mais de dez meninas numa noite. Um outro falou em quinze num Carnaval em Ouro Preto. O terceiro, de boné, riu e disse que não era nada. Já chegara a trinta, mas se recusou a detalhar as circunstâncias. Os companheiros gritaram “Truco!” e continuaram no tema pelos próximos vinte minutos.



Por um motivo qualquer, a conversa fez uma pausa. O rapaz de boné havia bebido até ultrapassar o tênue limite do bom-senso, e se encontrava em mal contida alegria etílica. O bêbado sem parte da orelha direita, no balcão, pareceu-lhe, subitamente, muito engraçado.

_Ei, ô pudim de cachaça! É você, mesmo, ô doidão!

O bêbado encarou-o, com seu olhar injetado e amortecido, mas não respondeu. O estudante insistiu na zombaria.

_Eu tô falando com você, orelhinha! Alôo!

PAM!

O balconista colocou a nova garrafa de cerveja com tanta brusquidão na mesa que os três se viraram para ele.

_Desculpe. Vão querer mais alguma coisa?

Depois que eles negaram, o homem hesitou em voltar ao balcão. Por fim, debruçou-se na mesa e disse, sério:

_Olha, aquele senhor ali... É o Jonas Romanik. Melhor não mexer com ele, OK?

_Uuuuh! E por quê? O cara é doido, é? _um dos moços perguntou, gargalhando e quase errando a borda do copo.

_Vocês nunca ouviram falar do Cracachau?!

O interlocutor respondeu com um ruído indefinido. Seu companheiro forçou um pouco a mente turva, para logo bater na testa.

_Lembrei! É uma lenda urbana, não é? Minha mãe contava quando eu era criança... _A voz se tornou um falsete: _“Vai dormir, menino, ou eu vou mandar o Cracachau pegar você!” Hahaha! Ele é um tipo de Homem do Saco, né não?

O balconista balançou a cabeça com um ar soturno, abriu a boca e acabou por fechá-la de novo. Por fim, deu de ombros.

_É, é uma lenda urbana, meio antiga.

_E que que aquele homem ali tem a ver? _o de boné insistiu.

_Como eu disse, é uma história antiga. E não sou desses velhos que fica segurando os jovens com intermináveis histórias antigas. Eu odiava isso em alguns dos meus professores da faculdade de Filosofia.

_Ah, a gente tá por conta, véi, conta aí!

_É, solta o ouro aí!

_Conta, conta, conta!...

Eles começaram a bater na mesa a cada “Conta!”, e o barulho pareceu incomodar o bêbado. Ele resmungou algo como, “Pô, Agenor!...”, o que fez o balconista lançar-lhe um olhar preocupado. Fez um gesto para os rapazes pararem.

_Certo, eu conto. Mas vou logo avisando: quer vocês acreditem, quer não... Quer gostem, quer não... É uma história verdadeira e com testemunhas. E um bocado desagradável. Têm certeza de que querem ouvir, mesmo?

_Ah, véi, ó... (hic!) Esse suspense todo só tá me deixando com mais vontade de ouvir. Desembucha logo isso.

Agenor mirou os três por uns instantes. Por fim, deu-lhes as costas, pegou uma garrafa de vodca e encheu um copo para si e um para cada um deles. Deu um largo gole e, só então, pareceu ter forças para começar.

_Aquele homem ali, _fez um gesto com o queixo em direção ao bêbado _ mesmo que você não acredite, é o homem mais perigoso do mundo.

O rapaz de boné soltou uma gargalhada exagerada.

_Aquele bebum? Ah, fala sério, você tá zoando com a nossa cara...

O balconista endureceu um pouco a expressão e apertou os olhos. Parecia estar se perguntando se valia a pena continuar. Por fim, fez uma expressão de “Seja o que Deus quiser...” e recomeçou sua fala, numa voz mais compassada.

_Há cerca de vinte e cinco ou trinta anos, o Cracachau era uma lenda urbana muito conhecida. Todo mundo falava dele, e muitas pessoas juravam já tê-lo visto. Um pouquinho diferente das lendas urbanas tradicionais, onde quem vê o monstro é sempre um primo do vizinho da cabeleireira. Ou então, contavam que o fulano ou sicrano tinha batido na mãe ou na esposa, ou violentado o filho ou a filha, e tinha sido pego pelo Cracachau. O monstro era como se fosse uma espécie distorcida de justiceiro.

_Mas que diabos é esse bicho, afinal?!

_Desculpe. Esqueci que vocês não sabem. Deixa eu voltar ainda mais no tempo.

“Mais ou menos por aquela época, 25 ou 30 anos atrás, Jonas Romanik era um comerciante aqui em Barbacena. Tinha uma lojinha de presentes. Também ambicionava ser escritor. Seus cadernos tinham livros terminados, mas que não interessavam editor nenhum. E ele tinha família. Esposa, um menino, uma menina. Não eram perfeitos, como os dos comerciais de margarina, mas não se podia dizer que Romanik era infeliz.

“Ele trabalhava muito para garantir um padrão de vida alto para sua família. Trabalhava tanto, mas tanto, que acabou caindo de cama, um dia. Teve febre altíssima e ficou no morre-não-morre por uns três dias.

“Quando voltou da doença, ele estava meio... Meio esquisito. Era um cara alegre e falador, mas ficou caladão depois da febre. Às vezes, ele comentava que tinha tido um sonho estranho naqueles três dias, mas sempre desconversava se alguém pedisse detalhes.

“Antes de ficar doente, ele sempre contava histórias para seus filhos dormirem. Sabem como é, Branca de Neve, Três Porquinhos, esses contos de fada convencionais. Depois da doença, Jonas parou com esse hábito, mesmo que as crianças não parassem de cobrar. Uma noite, depois de muita insistência, ele cedeu.

“Estava esquisito, como sempre. Disse aos garotos que, daquela vez, não ia contar um conto de fadas. Ia contar uma história que ele mesmo inventara, que vira em um sonho. As crianças ficaram felizes, já que o pai nunca contava suas histórias. Dizia que eram para adultos. Perguntaram, então, o que ele contaria. Ele respondeu que ia contar uma história do Terrível Cracachau.

“Quando terminou, as crianças não quiseram dormir. Se enrolaram nas cobertas e ficaram espiando os cantos sombrios do quarto, morrendo de medo. A esposa reclamou, mas Jonas apenas deu de ombros.

“Apesar do medo, as crianças pediram mais na próxima noite. E na próxima. Jonas passou a contar histórias do Cracachau todos os dias. Elas vinham com uma facilidade quase assustadora. Depois de já ter várias acumuladas, passou a registrá-las em seus cadernos.

“Um dia, ele foi a Belo Horizonte. Um amigo seu ia apresentá-lo a um editor. Assim, Romanik foi com seus dois melhores livros datilografados, e com os famosos cadernos. Os romances realistas de Jonas não interessaram o editor, que não via público para eles, nem nada de notável que justificasse o risco do investimento.

“Claro que o homem não disse isso de maneira crua. Mas, assim que o sentido de seus eufemismos se tornou evidente para os amigos, quando eles já se preparavam para ir embora, derrotados...

“É difícil dizer o que houve... Uma espécie de intuição fulminante, como aquelas que surgem em momentos extremos? A intervenção de uma força maior?

“O que aconteceu é que o editor ia dizendo: ‘Assim, se você não tem mais nada a apresentar...’ e Jonas respondeu que tinha, sim. E mostrou as anotações do Terrível Cracachau.

“Aquilo surpreendeu o homem. Ele folheou os manuscritos e se deparou com uma literatura infantil como nunca tinha visto antes. Um pouco sombria, um pouco violenta, um pouco perturbadora, mas sem perder o espírito infantil. Ia causar rebuliço.

“Não tinha sido como Jonas esperava ou queria. Mas foi um começo.

“Os livros do Cracachau vendiam, e como! As crianças reagiam como os filhos de Romanik: se assustavam, mas sempre queriam mais. Não demorou e os adultos também foram arrebatados pela “febre do Cracachau”. Pouco depois, o personagem terminou por virar lenda urbana.

“O dinheiro começou a entrar aos borbotões, e Jonas Romanik virou celebridade. Deixou a lojinha nas mãos de seu melhor empregado e passou a se dedicar só à escrita. O editor sempre pedia mais Cracachau e o escritor não o decepcionava.

“O problema é que chegou uma hora em que algo começou a perturbá-lo. Jonas começou a ter pesadelos horríveis com sua criação, com freqüência cada vez maior. Apavorado, ele dizia ver, de verdade, os olhinhos vermelhos e furiosos do Cracachau espreitando-o de debaixo da cama ou do canto do armário.

“Isso começou a afetá-lo ainda mais no dia-a-dia. Chegou a níveis tão alarmantes que a esposa e o médico imploraram que ele parasse de escrever aquelas histórias.

“Infelizmente, não era tão fácil.

“O Cracachau havia dado a Jonas todo o dinheiro e fama que ele sempre quis. E o editor não parava de incentivá-lo a continuar.”

_Espera aí um bocadinho _o jovem de boné interrompeu, sem cerimônias. _Você falou de olhinhos vermelhos e tal, mas não disse até agora que raios é esse Cracachau!

_Ah, bem, Romanik nunca foi muito claro a esse respeito, e as pessoas também não chegaram num consenso. A única coisa que todas as histórias tinham em comum é que o Cracachau sempre aparece, quando invocado, para punir a tortura ou a injustiça. Quanto à aparência dele, uns diziam que era um monstro peludo enorme, outras, que era peludo, mas do tamanho de um anão. Havia mesmo os que davam forma humana ao Cracachau. Isso podia ser um sintoma de que era tudo invenção, ou...

Parou, e seu embaraço ficou visível demais para ser ignorado.

_Ou o que, véi?!

_É meio melodramático dizer isso, mas... Ou podia ser uma prova de que o medo das pessoas é que moldava o monstro.

_Ah, qualé, que história pra boi dormir!

_Dormir foi uma coisa que Jonas começou a fazer pouco _continuou Agenor. _E a pressão dos pesadelos, da insônia forçada e das exigências do editor, cada vez maiores, iam minando cada vez mais o autocontrole do homem. Ele passou a se irritar muito fácil, e descontar isso nas crianças e na mulher. Principalmente nessa última, que falava sem meias palavras e se envolvia com ele em discussões medonhas.

“Uma noite, eles passaram dos limites.

“Os vizinhos ouviam os gritos claramente. Apesar das rebentinas, Jonas ainda era um cara comedido, que não prolongava aquelas cenas além da primeira agressão. Só que, aquela noite, ele estava pior. Acertou um tapa em cheio no rosto da mulher, e chegou a derrubá-la. A filha do casal ficou tão assustada com o que ouvia, que deixou o irmão no quarto e foi espiar, do alto da escada. O que ela viu foi o pai, de pé e muito pálido, como sempre, e a mãe, caída, com um olho roxo e uma expressão de fúria.

“A mulher ficou um tempo no chão. Quando se levantou, gritou ainda mais alto. Disse que aquele foi o fim, a última gota. Ela não reconhecia mais o homem com quem se casara e ia embora com as crianças. Ele que vivesse o resto da vida só com a companhia de seu monstro de estimação e de seu precioso editor.

“A raiva de Jonas já tinha passado, e ele se ajoelhou aos pés dela, pedindo perdão. Prometeu que pararia tudo, deixaria as histórias, e que poderiam recomeçar.

“Ela zombou dele, disse que não acreditava mais naquela promessa. Que ele não era homem de cumpri-la. Ele abraçou-se aos pés dela e renovou a promessa com mais ardor, mas ela chutou-o e cuspiu no rosto dele. Livrou-se sem piedade dos braços que ainda a retinham e começou a subir as escadas.

“Jonas tinha ficado no chão, chorando. A cena da mulher subindo os degraus, para pegar as crianças e ir embora para sempre, foi mais do que ele pôde suportar. Alguma coisa, que ele já havia sentido se revolver em sua mente durante a doença, finalmente saiu com força total.

“Chorando e balançando para frente e para trás, Jonas sussurrou, como um garotinho, as palavras que invocavam o Cracachau: ‘Vem, Cracachau. Vem e pega ela!’

“A esposa chegou a virar para trás para rir: a cena era mesmo grotesca. Mas o sorriso nem chegou a sair de todo. Quase imediatamente, as luzes do bairro todo se apagaram, menos a da casa dos Romanik, que ficou muito fraca. Àquela meia-luz, a menina no alto da escada viu... Bem, não se sabe exatamente o que ela viu.

“A vizinha ligou para a polícia logo depois. Ficou consternada com os gritos cortantes de mulher e os urros de animal selvagem.

“A cena que aguardava os policiais foi terrível. Jonas chorava em posição fetal, num canto da sala. Sua filha estava ainda agarrada à balaustrada, em completo estado de choque. E sua esposa... O pouco que restava dela estava mastigado e rasgado, ela mal era reconhecível como ser humano.

“Romanik foi preso no manicômio judicial, aquele mesmo que fica do lado da Faculdade de Medicina. Ele só dizia, o tempo todo, que aquilo fora obra do Cracachau. As investigações não ajudaram mais que isso. Depois de muito tempo, tiveram que chagar à conclusão de que Jonas não tinha capacidade física para fazer aquilo, ainda que uma loucura homicida tivesse se apoderado dele. E os dentes que mastigaram a mulher não podiam ser humanos...

“Ele nunca mais foi capaz de escrever, e perdeu a guarda dos filhos. A menina jamais se recuperou totalmente do choque, passou anos na FHEMIG antes que voltasse a ter momentos de lucidez. O menino, aparentemente, se recuperou rápido, mas vocês podem vê-lo pela Rua XV durante o dia... Completamente neurótico. Anda o tempo todo espiando sobre o ombro, e é capaz de espancar alguém, se a pessoa lhe der um susto.

“Para se esquecer, Jonas foi se afundando cada vez mais na bebida, até perder quase tudo. Com isso, aos poucos, o Cracachau foi caindo no esquecimento e empoeirando nas prateleiras. E foi isso que aconteceu.”

_E como é que você sabe de tudo isso? _um rapaz perguntou, zombeteiro.

_Cidade pequena. Meu pai conhecia o Jonas, e era amigo de uns vizinhos dele. Também fiquei sabendo do pouco que a menina contou, durante o tratamento. O próprio Jonas solta uma ou outra informação, de vez em quando. Com isso, consegui reconstituir boa parte da história. E ela é real em todas as suas partes. Inclusive o depoimento do Romanik.

_Ah, você tá zoando! É claro que não pensa que foi esse tal de... pff... “Terrível Cracachau”, né?

_Vocês repararam que Jonas tem um pedaço da orelha faltando, certo? _Esperou eles assentirem. _Um bêbado cortou-a em uma briga, há alguns anos. E eu estava lá para ver o Jonas revidar.

Apesar do tom sério dele, os três começaram a rir.

_Aposto que você conta essa história pra todo mundo que passa aqui! Eu queria ver esse tal de “Cracachau” vir me pegar, se eu bater nesse velhote bebum! _o rapaz de boné quase chorava de rir, agora.

O balconista se levantou, e seu gesto tinha uma gravidade que teria impressionado pessoas mais sóbrias.

_Não pedi para que acreditassem em mim, em momento nenhum. Só pedi, e repito o pedido, que deixem Jonas em paz. Podem considerá-lo um louco, se quiserem, mas considerem-no um louco perigoso. Não quero outra cena como a daquela briga, no meu bar.

Dizendo isso, ele voltou ao balcão. Os rapazes esvaziaram uma última garrafa de cerveja, pediram algumas para viagem, pagaram a conta e saíram. Deu para ouvir os pneus deles cantando. Agenor lançou um olhar feio para a rua, mas nitidamente aliviado.



Já passava de uma da manhã. Agenor colocou uma mão amiga, mas inexorável sobre o ombro de Jonas e o encaminhou em direção à porta.

_Vamos, amigo, tenho que fechar.

_Mai’eu quero mai’uma, Nonô...

_Hoje, não, meu velho, hoje não. Vamos, vamos, tenho que ir dormir. E você também. Já passou da conta.

_Só mai’uma...

_Boa noite, Jonas.

Ele empurrou o bêbado pela porta, com firmeza, e fechou-a de uma vez. Romanik deu dois passos e se estatelou na calçada. Começou a roncar pouco depois.

Assim que as luzes da casa sobre o bar se apagaram, um carro cantando pneus apareceu de uma esquina.

_Até que enfim! _um dos rapazes riu. _Vamos tirar a prova da história, pessoal?

_Vamos!

Enquanto carregavam Jonas para dentro do carro, eles ainda fizeram um pouco de algazarra. Sempre oscilando e cantando pneus, chegaram à saída da cidade. Dirigindo em direção à Cabana da Mantiqueira, escolheram um lugar suficientemente deserto, e com o mato alto para estacionar. Arrancaram Jonas do carro e começaram a tentar acordá-lo com pontapés e palavras de baixo calão.

_Acordou, #@$%? Cadê essa &*%$ de Cracachau, hein? Não vai mandar esse %*#$ pegar a gente, não? Anda! Anda, que eu quero ver! Cê não é homem, não?! Chama a &¨*% do Cracachau! Chama!

Os pontapés continuaram, enquanto o bêbado os olhava, atordoado. Um dos rapazes, talvez o menos chapado, parou ao ver o homem cuspir sangue.

_Ei, véi, a gente vai matar o cara!

_Matar nada! Anda, *&%$, chama o &¨#@ do Cracachau, chama!

Deram uma pequena trégua, em que Jonas cuspiu um dente e começou seu patético balanço para frente e para trás.

_Vem, Cracachau _gemeu. _Vem e pega eles!

Os três ficaram quietos, por um instante. Nem eles sabiam exatamente o que estavam esperando. Mas não aconteceu nada.

_Rá! Onde é que tá a %&*&$< do Cracachau agora, hein, seu pudim de cachaça?! Onde é que tá?

O rapaz de boné acertou um pontapé mais forte no queixo de Jonas e apontou o carro.

_Vai lá, véi, pega o trezoitão ali no carro. Vamos ver se isso chama o Cracachau.

Seus companheiros arregalaram os olhos.

_Cê tá doido, véi?! E se pegam a gente?

_Andem logo, suas bichinhas, vão começar com viadagem agora?!

Mesmo insatisfeito, um deles foi buscar o revólver. No momento que voltava, sentiu sua euforia alcoólica se esvair completamente. De repente, ficara muito frio.

Os postes ao redor, além das luzes da Cabana e dos ônibus lá parados se apagaram. Os três foram se aproximando até se encostarem, enquanto o frio e a escuridão se adensavam em torno. Toda a hilariedade e auto-confiança haviam se tornado tensão. O revólver foi brandido, e disparado quando duas luzinhas vermelhas se acenderam na escuridão.

Depois disso, vieram os gritos, os ruídos de dilaceração e os urros inumanos.

Por fim, fez-se silêncio e as luzes voltaram.



Agenor mordeu os lábios ao notar que Jonas se ausentava por mais uma noite. Ligou o rádio.

“Última hora: os restos humanos encontrados póximos à Cabana da Mantiqueira foram identificados. Eles realmente pertenciam a um jovem, dono do carro encontrado no local, e a seus dois amigos. Eles vinham de Belo Horizonte, com destino ao Rio de Janeiro. Ainda não se sabe como ou por que foram mortos. A polícia continua trabalhando para apurar os detalhes...”

O senhor apertou ainda mais os lábios.

Na noite seguinte, Jonas entrou no bar, alienado como sempre. Tinha escoriações no rosto, um dente a menos e usava um boné que o balconista jurava já ter visto antes.

_Jovens! _resmungou, enchendo um copo de vodca e virando de uma vez só. _Criaturas teimosas! Nunca nos ouvem, nunca!

3 comentários:

Sandra Franzoso disse...

Pois é rsrsrs...
"Eu não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem!"
Muito bom!

Rita Maria Felix da Silva disse...

Strix,

A história ficou ótima. Parabéns!
Não é a toa que te considero uma das melhores escritoras desta geração.
Beijos
Rita

Heitor V. Serpa disse...

Maravilhoso conto, terrível e cômico. Eu não entendo muito de lendas urbanas, mas parecer mais real do que isso é impossível. Acho que o fato da Dri ser de Barbacena ajudou bastante ;D

Agora fiquei com medo dessa cidade...

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