Comunicado Importante - 3 contos do blog serão publicados

É com muito orgulho que venho anunciar, que eu Debby Lennon e Sandra Franzoso iremos participar da antologia Jogos Criminais. A Antologia será lançada no dia 15/01/2011, Na Biblioteca Viriato Correa, situada a Rua Sena Madureira, 298 - Vila Mariana. Meus contos Anjo Perdido e Joana e Maria, já foram postados aqui no blog e agora está aperfeitoado e com mudanças no final,o mesmo acontece com o conto O Noivado da Sandra. Maiores informações em breve.

sábado, 27 de junho de 2009

Caminhos da vida

Este conto foi escrito para um concurso da lista do Overlook, portanto fechado, agora posto aqui para um público maior. Faço esta ressalva porque o conto não é inédito, embora tenha sido lido apenas pelas pessoas da lista na época.

Boa leitura, espero que gostem! :)

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Caminhos da vida

by Vic Donati (N.E.I.'.)


- Puxa, finalmente deu certo, estamos planejando esta viagem há tempos, nunca dava certo...

- É verdade, sai de Sampa vai ser bom por uns dias, foi sorte sua amiga ter achado um chalé em Sorocaba, perto de todo e ao mesmo tempo, longe de todos.

- E vamos chegar rápido, a estrada esta vazia, além do que, você esta sentando a bota, né Stephen?

- Estrada livre, sem radar, por que não, querida? Além disso, quero chegar antes de anoitecer, quero examinar bem o chalé, para ver como estão as estruturas dele, e isto precisa ser sob a luz do sol, aliás, Christine, como foi que sua amiga conseguiu este chalé? Comprou?

- Acho que não é dela, é emprestado, eu não perguntei, não faz diferença...faz?

- Se estiver inteiro, não, mas se não estiver, vamos embora. Não vou passar meu tempo consertando um chalé velho...

Quinze minutos após, estavam cortando uma estrada de terra, velozmente, em direção ao quarto chalé, o número 41 da estrada.

Aparentemente, parecia muito bem, uma sólida construção de madeira, carvalho provavelmente, envernizado e bem cuidado. Tamanho médio, quase encravado na mata cerrada, que rodeava toda a região, mostrando o quão grande e majestosa é a natureza.

Ao redor, uma montanha verde, cravejada de árvores e vegetação nativa, a paisagem era linda, o local espetacular para alguns dias de paz e sossego, fugindo da cidade grande.

Stephen tentou fazer uma ligação, mas o celular não dava sinal naquela região, “Uau, pelo menos também ninguém nos importunará neste local, embora fiquemos incomunicáveis..” Stephen parecia feliz, embora gostasse de ter seu velho Motorola sempre à mão, para qualquer eventualidade...

Christine já estava lá dentro, remexendo nas coisas, procurando as luzes, mas não havia luzes...não havia eletricidade lá no chalé. Sua amiga não tinha contado este detalhes.

- Vamos voltar, precisamos comprar velas e fósforos – berrou lá de dentro.

- Brincou, não tem energia ou esta desligada? Melhor ver se não esta desligada, pode ser que tenham cortado a luz, se não pagaram a conta, ou então esta desligada na chave geral. Procure a chave geral.

- Você esta vendo fios chegando até aqui? Pois então, agora estou reparando, não tem fiação na rua, então não tem eletricidade. Temos que voltar rápido, antes que escureça. Não quero entrar aqui no escuro!

- Já começaram os problemas, nem bem chegamos... Ora, se vamos ficar isolado, qual o problema em ficar sem eletricidade? Vai perder as novelas? Dane-se! Vamos ficar aqui mesmo, que se foda a eletricidade, quero descansar. Passamos esta noite aqui, no escuro, amanhã eu saio e vou comprar velas enquanto você desfaz as malas e arruma as roupas nos armários.

Pronto, Christine já ficou emburrada, não gostava de ser contrariada, e gostava menos ainda de ficar num lugar sem luz, nem tinham trazido lanternas, como seria se tivesse que ir no banheiro no meio da noite? Ou tomar um pouco de água? Água quente, provavelmente, pois não havia geladeira; sem energia, sem geladeira, claro!

Levaram a malas para dentro, esvaziaram o carro.

O interior do chalé parecia ordenado, pouca poeira, mobília bem cuidada, nem parecia um local raramente visitado nos últimos anos, certamente deveria estar infestado de aranhas e outros bichos, mas nem isto havia, estava realmente limpo.

Ele era composto por uma grande sala, com lareira, na entrada. Um pequeno banheiro encravado numa parece, apenas uma portinhola com um nicho para uma pia. Um lavabo estilizado. Nos fundos, uma cozinha ampla, com fogão à lenha, uma grande mesa de centro e muitos utensílios antigos, de ferro, madeira e barro. Pelo visto, teriam que reaprender a cozinhar, como nos tempos de seus avós...

Os quartos eram pequenos, um deles com uma grande cama de casal, com um grande armário ocupando toda uma parede, com 5 portas. Grande, imponente. Uma penteadeira antiga, forte, uma peça clássica, com dois bancos, espelho. Uma bela decoração e nada de pó acumulado nem mesmo na colcha. Certamente alguém deve ter ido lá e limpado há pouco tempo. No lado oposto ao armário, uma grande janela que dava visão para os fundos da casa, ou seja, uma vez aberta, teríamos toda a natureza à nossa disposição.

O outro quarto continha duas beliches e um pequeno criado-mudo entre elas. Um baú fazia as vezes de guarda-roupas e a janela era pequena, também com vistas para os fundos.

Um pequeno corredor interligava os quartos à cozinha e sala, mas faltava alguma coisa.... Cadê o banheiro? Havia um pequeno lavado num nicho na parede da sala, mas nada de sanitários, chuveiro e outros bichos. Onde estariam? Será que era do lado de fora? Mais complicações...não haviam visto nenhuma outra construção ao redor do chalé, nada que pudesse ser um banheiro.

Saíram, rodearam a casa, o sol ia ser por em poucos minutos, não encontraram nenhum banheiro, mas certamente deveria haver um. Onde se faziam as necessidades naquele lugar, cacete?

Havia uma picada na mata, saindo da parte traseira da casa, era possível enxergar um caminho no meio da floresta, seria ótimo para uma exploração amanhã, o tal contato direto com a natureza, era o que procuravam.

Banheiro externo, nada. Será que faltou ver algum lugar dentro? Voltaram, vasculharam a casa, não acharam mais nada. O jeito era dormir antes que escurecesse.

Retiraram apenas umas poucas roupas das malas, apenas o necessário para arrumarem a cama, uma bermuda para Stephen e uma camisola para Christine. Chinelos. Uma garrafa de água para Christine, uma de coca para Stephen (que não toma água). Nada mais.

Conversaram um pouco na sala, Christine deitada no colo dele no sofá, o lugar era aconchegante, procurariam lenha para acender a lareira no dia seguinte. Não que estivesse frio, mas a lareira acessa traria luz permanente ao chalé durante a noite, o que resolveria o problema de iluminação.

Aqueles dias, cujo prazo ainda era incerto, pois não sabiam quanto tempo ficariam por lá, serviria para aparar algumas arestas do relacionamento, uma tentativa de fazer com que o namoro de alguns anos se tornasse sólido o suficiente para se tornar casamento, ou então, que ficasse claro que nunca passaria disto, seria namoro permanente até que algum dos dois, ou ambos, partissem para outras aventuras, ou mudasse o rumo de sua vida.

Ficaram conversando por quase uma hora, o sol já tinha se posto, a escuridão já era total, mas tinham memorizado o caminho até o quarto, não seria difícil chegar até lá, quando o sono viesse e o papo terminasse. Resolveram ficar um tempo em silêncio, pensando na vida, contemplando aquele silencio tão raro de se obter na cidade, a magia do momento, o som dos animais noturnos, alguns grilos próximos faziam suas serenatas, ao longe se ouvia o barulho das árvores chacoalhando, pelo visto estava ventando bastante...

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Barulho!

Acordaram sobressaltados! O que houve? Estavam no sofá, cochilaram...ela no colo e ele com a cabeça pendida no encosto do sofá, o pescoço doía. Barulho de que? Era chuva, e não parecia pouca coisa, pelo visto o famigerado santo que mora no céu estava lavando o quintal, e não fazia conta de desperdiçar água, não deve haver problemas de racionamento de água no céu, devem possuir um sumidouro inesgotável de água lá em cima...

Era melhor irem para a cama, passou da hora. Checaram as horas no celular, pouco mais de 22h. Era cedo para dormir, gostavam muito da noite, gostavam de dormir tarde, gostavam de aproveitar a noite, ele para leituras, ela se revezava entre o micro e a tv, normalmente os dois ligados, tentava navegar na Internet e assistir tv ao mesmo tempo, invariavelmente perdia algo da tv e ficava chateando, perguntando o que foi que determinada personagem falou na novela, ou no filme, perturbando a leitura do amado. Relacionamentos, nuca é perfeito, mas pode tentar ser adaptável. Eles buscavam isso, naquela semana. Stephen tirou uma semana de féria, com opção de prolongar por mais uns dias, Christine era corretora de imóveis, não tinha obrigações fixas, poderia até ficar um mês fora. Stephen era advogado, embora fosse executivo de uma gravadora, sua paixão era a música, além da leitura.

Sem energia, não poderia ler a noite e tampouco ouvir seus CD´s, uma chateação, não resta dúvida, mas era somente por uma semana, depois tudo voltaria ao normal, poderia voltar a dormir ao som de Bach, tomar banho ouvindo Beethoven e ler ao som de Gershwin e Cole Porter. A gente pode não ter muito controle sobre a vida, não sabemos o que vai acontecer no próximo segundo, mas podemos deixá-la mais divertida e especial, escolhendo sua trilha sonora. Ao menos, esta parte da vida nós podemos dirigir.

Resolveram lavar o rosto, uma topada aqui, uma tateada acolá, chegaram ao nicho, lavaram as mãos e o rosto. Tinha até sabonete lá, muito estranho... Seguiram para o quarto, não foi difícil chegar, bastou seguir o corredor, não havia nenhum obstáculo no caminho para dificultar, então esta parte foi fácil. Se beijaram, trocaram de roupa e se deitaram. Ele não queria coberta, ela não dormia sem coberta, o jeito foi dobrar ao meio, ela ficou com as duas partes...

Nada melhor do que o barulho da chuva para dormir, mas ainda faltava alguma coisa antes de dormir...sim, claro! O ambiente era favorável, cheiro de mato invadia o quarto pelas frestas da janela, o amor estava no ar, a paixão queimava, então a natureza, em sua extrema beleza, se fez presente naquele quarto escuro.

Agora sim, o sono esta chegando, a chuva não para, parece apertar, mas nem mesmo goteiras no telhado havia, uma verdadeira tranqüilidade...adormeceram abraçados.

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- Ouviu isso, Stephen?

- Não, o que?

- Esse barulho, raspando...

- Onde? Perai...estou ouvindo agora, baixinho...

- O que é isso, Stephen?

- Não sei, deve ser lá fora, algum bicho, sei lá...

- Mas parece ser aqui dentro, estou ouvindo, se fosse lá fora o barulho da chuva abafaria, é aqui dentro, tem algo aqui!

- Espera, parece mesmo, mas, estranho... parece que esta aqui no quarto, mas como é possível? Não há mais nada aqui, será um rato?

- Não...sei, mas precisamos descobrir.

- Como? Sem luz, como vamos procurar alguma coisa? Deixa para lá, vamos dormir, amanhã procuramos no claro.

- Eu não vou conseguir dormir com algo dentro do quarto!

- E qual a sugestão?

- Não sei, quais as opções? Considerando-se que é dentro do quarto, onde poderia ser? Guarda-roupa?

- Guarda-roupa...é, deve ser, algum rato perdido lá dentro. E como vamos ver, não tem luz, porra!

- Ouviu? Ouviu?? São passos! Passos!! Passos dentro do armário, merda de casamaldita escura! Tem alguém lá dentro, Stephen, faça alguma coisa!!

- Eu não ouvi passos, como pode ter alguém andando dentro do armário, você é histérica, Christine! Pára!

- NÂO! Ouvi passos no armário, te alguém lá, ai meu deus...não devíamos ter ficado aqui isolados, sem luz!

- Sossegue! Se você acha que são passos, o que é uma insanidade da sua parte, eu vou lá e abro a porta, se tiver alguém, tem que sair, certo?

- Não! Não vá, amor, pode ser perigoso!

- Cacete, você não quer esperar até amanhã, mas também não quer que eu vá ver, decide! Vou ver ou ficamos aqui?

- Eu vou com você, vamos ver, eu não vou conseguir dormir sem saber quem ou o que esta lá dentro...escuridão maldita!

Desceram da cama, caminharam lentamente na direção do guarda-roupa, estavam agora lado a lado, Christine abraçada em Stephen, que procurava a maçaneta para abrir o armário. Era um armário de madeira maciça, haviam diversas portas, ele resolveu começar pela do meio, mania de simetria...

Achou a maçaneta, puxou...nada! Nem um barulho, nem um ruído, passo algum, nada. O silêncio dentro do quarto era total, lá fora ainda se ouvia a chuva martelando a floresta violentamente, parecia que nunca teria fim...

Segunda porta, abri e...

- AAAAHHHHHHHHHHHHH...Stephen!! O que é isso??

Um vulto pequeno saltou colidindo com eles, sentiram o arranhar de unhas nas pernas nuas, era um gato...

- Merda de gato!

- Calma, Chris, pelo menos agora sabemos de quem eram os passos assustadores...

- Vai à merda! Poderia ser outra coisa!

- Claro, andando dentro do armário, gnomos, talvez...

- Idiota! Onde foi este maldito gato agora?

- Bom, pelo barulho, acho que saiu do quarto, esta em outro lugar da sala, impossível achar agora. Deixa ele lá, trancamos a porta e voltamos a dormir.

- Esta bom, então vamos, mas tenho certeza que não vou dormir mais nesta casa...

Adormeceram....


O dia seguinte acordou barulhento, um pica-pau bicava o batente da janela, grilos serestavam, ao longe o marulho do vendo chacoalhando as árvores, a luz era intensa lá fora, os raios solares entravam pelas frestas da janela, o dia amanheceu lindo, após uma noite de tempestades.

Christine acordou, tateou a cama, cadê Stephen? Um salto!

Não havia ninguém mais na cama!

- STEPHEN!

Nada.

- STEPHEN, CADÊ VOCÊ??

Nada.

Assustada e irritada, abriu a porta do quarto, gritou novamente...nada.

Tomou coragem, sempre olhando para todos os lugares para ver se o gato não lhe pregaria outro susto (era gato mesmo? Não deu para ver...)

Esquadrinhou toda a casa, nada. Abriu a porta da rua, o carro sumiu! Onde teria ido? Até a cidade comprar velas? – pensou. Impossível, sem avisar ele não faria isso, além do que, sempre acordou depois dela, não fazia sentido.

Tentou ligar, mas o celular continuava sem sinal (maldito lugar!), deu uma volta em torno da casa para colocar as idéias no lugar, pensar no que fazer, como Stephen saíra da casa sem acordá-la, abriu a porta, saiu com o carro, mas a porta estava trancada por dentro, só havia uma chave, e ela estava do lado de dentro da porta...

Perdida nos pensamentos, olhou ao redor para ver se havia alguma casa, alguém a quem perguntar se tinha visto um carro saindo, ou ouvido, ou qualquer merda que fosse! Só aí ela reparou, a picada na mata...agora era dia, será que Stephen teria entrado lá para explorar?

Era dia, havia sol, um calor mediano, a natureza era linda, por que não dar uma conferida? Vamos lá...

Chegando à entrada, notou que a picada subia em direção ao morro, depois fazia uma curva e sumia em torno, parecia uma longa viagem, então resolveu voltar para pegar uma garrafa de água, calçar um tênis e encarar a trilha.

Ao entrar na trilha, reparou que estava imensa na floresta, havia um sol escaldante, mas apenas alguns raios passavam o cobertor verde que se formava sobre ela, então ela estava literalmente dentro da montanha, a visão era maravilhosa, mas a apreensão continuava, sozinha e agora no meio do mato. E se aparecesse um lobo, uma onça? Paciência.

Logo após a virada, a trilha seguia mais uns duzentos metros montanha acima, a garrafa de água estava pela metade, subida pesada para pernas paulistanas sedentária, a idéia de retornar começava a brotar em sua mente.

Christine reparou que a floresta se modificava enquanto andava, as plantas era outra, as árvores muito maiores, a terra mais escura, as lindas flores que haviam na entrada agora não mais se faziam presente, o túnel que se formava agora era de um verde denso e um marrom quase preto, a ausência de outras cores era incômoda e inexplicável, aliás, inexplicável como tudo o mais daquela aventura, sem energia, um gato na madrugada (que não foi mais visto), o namorado some e agora esta trilha, que se modifica a cada avanço, que se transforma como se fosse um organismo vivo, como se estivesse penetrando na garganta da montanha, entrou pela boca, cruzou a língua, desceu pela garganta, explorou o duodeno e agora se encontrava no estômago, ou pelo menos esperava que não fosse isso, mas a metáfora lhe acompanhava nesta viagem solitária.

Um barulho! Olhou em volta, nada visível, apenas a mata densa, o cheiro forte de terra negra, impregnada de vida, mas uma vida que lhe arrepiava todos os pelos do corpo. Vida? Terra viva? Penetrando no interior da montanha? Mas não estava subindo? Não! Subiu duzentos metros, depois foi ladeira abaixo, de alguma maneira, tinha realmente ingressado dentro da montanha, pois não havia como ter escalado inteira, ela tinha muito mais do que duzentos metros de altura! Estava realmente, entrando na montanha, era melhor voltar.

Parou, tomou restinho de água, olhou em volta, aguçou os ouvidos, nada, nem um som. Gritou por Stephen, embora com medo de atrair algo indesejável, mas nada, nem uma resposta, nem de Stephen, nem de mais ninguém... O jeito era voltar mesmo, andar até a estrada e conseguir carona, ou tentar achar algum vizinho em outro chalé, enfim, algo menos tenebroso do que entrar naquela montanha.

Voltou, começou a percorrer o caminho de volta, sempre em descida. Foram algumas dezenas de metros e, estacou! Descendo! Mas ela estava descendo quando estava entrando na montanha, agora estava fazendo o inverso, então deveria estar subindo, mas estava DESCENDO!

- Que porra é isso??

Olhou para trás e viu um aclive, realmente, estava descendo... Como poderia ser?

Olhou em volta, aquele tubo denso, verde, agora se parecia com um intestino, um intestino delgado, cheio de dobras, artérias, reentrâncias, sim, aquilo estava vivo, a montanha estava viva, e ela estava sendo consumida pela montanha, de alguma maneira, mesmo tomando o caminho de volta, estava seguindo o mesmo caminho de quando entrou, era um caminho sem volta. Ela sabia.

Toda a sua vida passou pela sua cabeça, suas lembranças mais longínquas, a infância feliz, brincando com os avós, se dividindo entre o pai e a mãe, uma semana na casa de cada um, ambos disputando sua atenção com presentes compensatórios pela separação, e o pouco tempo livre de ambos. Os colegas da classe, as brincadeiras de queimada, o handebol e as medalhas conseguidas nos campeonatos do colégio, as amigas da rua, a sua melhor amiga que se matou com 11 anos por ter sido rejeitada por um colega de mesma idade, sua primeira vez naquela excursão ao sul do país, serras gaúchas, com Peter, aquele gaúcho miúdo - filho do guia turístico - que ela nunca mais viu... colegial, o professor de física pelo qual era apaixonado, mas que gostava mesmo era de uma dentuça qe sentava atrás dela, interessante como o gosto das pessoas é algo completamente caótico, o feio parece bonito, o bonito enfeia e o ser humano constrói seu ideal de beleza baseado em conceitos meramente efêmeros, onde uma linha tênue separa a beleza da feiúra, a felicidade da tristeza, a união da separação. Faculdade, bons tempos, festas, boas notas, praia, lual, sim, aquela experiência traumática com a colega de barraca na praia, fatos da vida, somos constituídos de tudo aquilo que passamos, vivemos, fizemos e sonhamos, a mistura de tudo isso numa proporção incerta e aleatória resulta no ser humano que somos, naquilo que nos transformamos ao decorrer desta nossa vida terrena.

Melancolicamente, resignadamente, Christine continuou sua senda, sempre descendo, sempre reparando no cenário, nas mudanças, na capilaridade daquele túnel verde escuro, puxando para o avermelhado, escurecendo...a viagem deve estar chegando ao fim....



- Christine!!

...

- Christine!!

- O que? – sobressaltada

- Estou aqui te chamando já faz um tempo, já andei pela casa toda, é linda, mas não me agradou. A aura dela não bateu com a minha, acho que não nos entendemos, não vamos conviver bem, creio que vou procurar outra casa aqui no bairro, esta não vai servir. Estava lhe chamando para irmos embora, você parecia em transe, o que houve?

- Nada...nada...creio que devo ter desligado por uns instantes, não dormi bem a noite passada. Vamos embora, eu te levo.


Christine chegou em casa, achou melhor tomar um banho, despertar de vez e tentar por as idéias em ordem, ainda não tinha compreendido o que havia se passado. Despiu-se e entrou na água quente, relaxante...

Tocou o telefone, uma vez, duas...três....caiu na secretária eletrônica, recado gravado.

Saiu do banho, sentou na cama e massageou os pés, os saltos diários estavam cada vez deixando os pés mais doloridos, passou creme, massageou, olhou para a secretária e viu piscando o aviso de um recado gravado.

Levantou-se e apertou “play”:

- Chis, você não vai acreditar! – era Stephen – Consegui tirar alguns dias de folga aqui no estúdio, estou com vontade de descansar, podemos passar uns dias maravilhosos juntos, falei com sua amiga, ela vai emprestar o chalé dela para nós, fica aqui pertinho de Sampa, em Sorocaba! Me ligue assim que pegar este aviso, já estou fazendo as malas e espero sua ligação para passar ai e te pegar...

O pote de creme caiu das suas mãos....


FIM

3 comentários:

Mágica Leitura disse...

Nossa, escreves muito bem!
Como gostaria de ter uma lareira, para acendê-la quando quisesse.

Parabéns pelo blog, adorei os contos e pretendo voltar. Abraços.

Debora Gimenes disse...

Adorei esse conto, votei nele na época. beijos

Sandra Franzoso disse...

Uau, amei! Muito bom! Bjs!

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