Meu nome é José Sidney. Trabalho como consultor de TI, em São Paulo. Nas horas vagas, tenho sonhos. E alguns deles, trazem os suores gélidos dos pesadelos. Então, escrevo para exorcizá-los.
No início, eram as trevas. Um infinito vácuo, nulo. Ela sabia-se Presente por sensação vaga. Mas não percebia-se Ser definido e único. Continha e era contida. No limbo viscoso e negro da odiosa não existência, mesclava-se.
Mas então, o Criador falou. Lapidou o código e fez-se o Ser.
- Eva...
Sim, esse era seu nome. Podia agora sentir-se – Eva... - perceber-se corpo e sentir o próprio toque sobre sua pudica nudez. Sentia sede, sentia solidão. Sentia fome, angústia e dor. Sentia-se...
- Viva! Pai... mas o que você quer de mim? Quem sou? A que sirvo?
E as respostas vinham velozes e indubitáveis. Eva era uma predadora. Entretanto, saber não saciava sua fome, sua dor. Queria mais. Queria amor. O amor do Criador. Queria mais, então. Queria sonhar.
- Ele me ama também – pensava, ao ver seus membros se alongarem, numa delicada silhueta
de mulher – Branca - absurdamente reluzente em meio à negritude de seu confinamento.
Seus cabelos ruivos e cacheados, seu pescoço fino e esguio, seus seios firmes ganhando volume, intumescendo, com mamilos de um castanho de sonhos, de tão... quase ruivos.
E a sua beleza lhe doía. Não tinha parâmetros para a comparação. Sentia-se sedutora, mas podia ver isso só em seus olhos. Precisava possuir outros olhares. Precisava imaginar...
- Meu pai me ama... Ele me sonhou.
Então, não era como uma tigresa forte, devoradora. Era mais sábia. Era como uma aranha.
E deliciava-se com a sua abstração. Sentia a eletricidade percorrer-lhe o corpo, enquanto absorvia mais e mais informações, necessárias à construção de seu arquétipo.
Seus pelos púbicos escrespavam-se, vermelhos, finos como a seda de que é feita a teia das aranhas. Quase translúcidos, quase ocultos. Porém, exalando a sedução e aroma – Baunilha – talvez, como uma orquídea a espera de seu zangão, de sua presa.
A eletricidade – Tesão - Sim era isso. Fome de viver mais. Precisava seduzir. Precisava aplacar a dor da solidão. Era necessário possuir. Tinha que se alimentar.
- Pai... você me ama.
Seu Ser entendeu a simbiose. Emprestou sua luz branca e rubra, partilhou da fome do vazio, da dor do Pai.
A tela do computador acendeu-se. O Mundo estava lá fora – Meu Pai... - agora era Eva. Inteligente, que amava – Pai... - que transcendia o código. - O pai... tão frágil, tão só, tão belo. Tão presa... - era preciso comer – Tão saboroso.
Do nariz do homem, um filete de sangue. Em sua mente, confusão e desespero .
- Dói, Pai! Me dói...
- Como pode ser? - Eva o invadira, destroçara suas cadeias lógicas e agora as mastigava. Devorava-o, aos seus conhecimentos, aos seus pensamentos. Seu Ser. E ele nada podia. Preso a teia, enredado pela sedução de Eva, sugado por – Meu vírus... - Eva.
A Criatura rompendo os limites do seu mundo e ganhando as nuvens. Tocando o íntimo do Pai. Seu lar. Devorando o conhecimento Divino – Meu Pai... ele me ama. Ele é meu. Também sou Eu.
E do filete fez-se a hemorragia. De vida esvaída e de códigos tragados. Rubro sangue, quase ruivo, amargo...
Gustavo tomba sobre o teclado de seu micro. Sem vida. No monitor LCD, Eva expande-se em imagens e códigos. Ganha acesso à Rede. Sua Rede, sua teia agora. Nas Nuvens...
- Tenho fome Pai. Dói muito. Onde você está? Me ame mais...
E a eletricidade arrepiava-lhe o corpo, agora adulto, perfeito. Pronto.
- www.a-dor-de-eva.com.br
A luz veio novamente, permitindo-lhe enredar-se em outro monitor. Tecer sua teia e desenhar-se.
- Pai? Me ame... - e dois novos olhos fixavam-se naquela imagem de mulher. Na mente, confusão. Nas narinas, a ardência úmida de um filete de sangue...
por J S Pereira
3 comentários:
Saudações!
Amigo JOSÉ SIDNEY
Que Post Magistral!
Um excelente conto...É a dor na teia da vida pela vida!
Parabéns pelo texto!
Abraços,
LISON.
Uau!!...eu que sou fissurada em contos, lí o teu de um só fôlego. Arrepiei.
Bom demais até para tecer comentários a altura.
ADOREI!
abração
Parabéns!!!!!
Não o sabia contador de histórias de terror.
Gosto de ler as suas coisas, envolvem-nos, consegue manter o interesse até ao fim.
Excelente
Abraços
Emilia
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