Comunicado Importante - 3 contos do blog serão publicados

É com muito orgulho que venho anunciar, que eu Debby Lennon e Sandra Franzoso iremos participar da antologia Jogos Criminais. A Antologia será lançada no dia 15/01/2011, Na Biblioteca Viriato Correa, situada a Rua Sena Madureira, 298 - Vila Mariana. Meus contos Anjo Perdido e Joana e Maria, já foram postados aqui no blog e agora está aperfeitoado e com mudanças no final,o mesmo acontece com o conto O Noivado da Sandra. Maiores informações em breve.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

As preocupações de Dona Marilza

- O mundo está perdido mesmo – pensou Dona Marilza ao terminar de ler uma das notícias de capa do jornal, dando conta de mais um horrível crime do Maníaco do Coração – Acham que é algum ritual satânico...

Mas hoje ela não tinha tempo para refletir muito sobre essas maluquices. Tampouco, tinha a compreensão da mente humana para as crueldades. Como era possível conceber uma pessoa que matava o semelhante para devorar-lhe o coração? E ainda mais, matava crianças?

Nos seus tempos de juventude também houveram pessoas más. O Bandido da Luz Vermelha, o Chico Picadinho e outros tantos que não tinham piedade nenhuma - Pessoas sem alma! - que aterrorizavam o imaginário coletivo. Mas eram notícia de página inteira. E por meses. Hoje em dia, um crápula deste era só mais uma entre tantas outras notícias ruins estampadas ali. Um pouquinho mais de destaque talvez, por ser a oitava vítima – Quase três por mês – fez as contas e arrematou– Só pode ser essa porcaria da droga!

Ainda deu uma olhada na foto da menina, estirada numa clareira de um matagal qualquer, com o peito completamente aberto – O Toninho precisa parar de comprar estes jornais. Como publicam uma foto dessas? Não pensam na família da pobre criança?

Mas Dona Marilza tinha outras preocupações agora. Precisava terminar a encomenda de salgados para a festa da Dona Cleide até as 18:00 horas, para que o Toninho pudesse entregá-los e receber a outra metade do pagamento. Depois da aposentadoria de seu marido há dez anos, por conta de um infarto, essa sua atividade de salgadeira já representava a maior fatia da renda familiar. Sem ela, a vida seria bem difícil. E não perderia uma cliente por ficar de tagarelice com os seus próprios pensamentos. Em todos os anos de encomendas aceitas, nunca perdera a hora de uma só festa. Não seria hoje que isso aconteceria – Ainda mais com a Cleide, que é tão amiga! Ah, mas não vou perder a hora mesmo.

Porém sabia que trabalharia com o coraçãozinho apertado, por ver a menina toda ensanguentada – Pobrezinha... deve ter sofrido muito na mão desse animal! - Mesmo que o jornal dissesse que nenhuma das vítimas havia sido abusada sexualmente ou torturada. O Maníaco somente as matava. Um única e precisa facada no peito. E depois, abria o tórax da vítima e arrancava-lhe o coração – Dizem, que pra comê-lo à dentadas – e se horrorizou ao visualizar em sua mente a imagem de um homem medonho, endemoniado mesmo, mastigando os corações das crianças.

Assim, Dona Marilza foi passando sua tarde. Entre um pensamento e outro, sobre os crimes que lhe afligiam, e o empanar de suas coxinhas de frango. Perto das 17 horas, começou a fritar os 300 quitutes e armazená-los no forno pré-aquecido – Quando meu marido Toninho entregá-los, ainda estarão quentinhos – raciocinou com satisfação.

Mesmo com tudo correndo bem e de acordo com o planejado, não conseguia livrar-se daquela maldita notícia – Quantos anos teria aquela pobre menina? Doze, Onze anos? - parecia-lhe tão jovem e bonita. A pele clara, cabelos loiros e compridos, uma franjinha delicada... E de repente, vinha aos seus pensamentos sua neta Talita – Meu Deus, proteja minha menina!

A semelhança entre as vítimas e sua neta ficava mais evidente a cada novo ataque. Era como se o assassino fosse aprimorando a arte de escolher suas vítimas, buscando enfim a beleza de sua neta como objetivo final. E isso dava arrepios em Dona Marilza – Que bobagem, mulher! - tinha dito Toninho ao ouvir suas observações – Ele ataca meninas. Brancas e loiras. E só nisso se parecem com a nossa Talita. E ponto! - Mas não adiantava-lhe em nada ouvir as palavras do marido. Sentia a aflição subir-lhe pela garganta, estreitando os caminhos do ar. Cada nova criança morta, mais semelhanças com Talita ela via. E temia pelo dia em que abrisse o jornal e lá estivesse a neta, estirada no matagal – Ai Meu Deus, não permita que esse monstro toque nela!

Os salgados estavam fritos enfim. E ainda tinha uns vinte minutos de folga. O que era bom, para poder tomar um café com o Toninho. Mas não tão bom para as coxinhas, que poderiam perder a aparência de frescor, se ficassem muito tempo presas na embalagem recoberta por papel alumínio, sem respirarem.

Mesmo assim, pôs duas xícaras à mesa, encheu-as de café e leite e chamou – Toninho! Vem tomar um café antes de fazer a entrega da Dona Cleide – e Seu Toninho atendeu rapidamente ao chamado de sua mulher, porque junto com esse cafezinho, com certeza teria um prato de salgados para beliscarem.

Ao se aproximar da mesa, os olhos de Toninho brilharam, admirando os quibes, bolinhos de carne, coxinhas de frango e bolinhas de queijo. Tudo quentinho, só para os dois. Deu um sorriso – Sabe mulher, se não fosse por estes teus mimos antes das entregas, juro que eu arranjava outro emprego. O salário que me pagas é péssimo – e soltou sua gargalhada mais estridente – mas a marmita.... hum, compensa toda tua muquiranice!

Dona Marilza deu-lhe um leve tapa no ombro e mandou-o sentar-se. Ao que obedeceu prontamente, já passando a mão num bolinho de carne e dando-lhe uma boa mordida.

- Sabe Toninho... eu queria pedir para você não comprar mais esse jornal horrível. Nenhum jornal... Ou que não os deixe aqui em casa, ao menos. Leia e depois largue-os lá no carro. Não quero mais ver notícias sobre aquele homem... você sabe.

Seu Toninho solta um suspiro paciente. Por dez longos anos, a mulher sempre voltava a esse assunto. E Toninho sentia os olhos arderem-lhe, sempre que acontecia esta conversa insólita.

Balançando a cabeça, desenha no ar um sim silencioso. Resignado, pega seu jornal de esportes, que trazia na primeira página fotos dos heróis da última rodada do Brasileirão, dobra-o ao meio e enfia-o no bolso de trás das calças.

Queria poder abraça-la, dizer “esta tudo bem, Marilza. Já passou, já foi”. Mas como, se para Marilza, a qualquer instante Talita entraria por aquela porta, com seu sorriso aberto e gritando? – Vó, vó, olha só que eu fiz na escola pra senhora – E pularia num abraço apertado em Toninho e na avó. E então dariam-lhe os salgadinhos e brigadeiros de que tanto ela gostava, enquanto olhariam os desenhos feitos para ela.

– A nossa Talita... - deixou escapar num murmúrio – de quem aquele maníaco tirou a vida.

- Não Toninho! Não diga uma bobagem dessa! Nem por brincadeira... – Dona Marilza cobre a o rosto com as mãos em concha – Eu sei que ele quer isso, ele quer Talita. Eu vejo nas fotos. São tão parecidas, meu Deus... Mas Deus é mais forte. Não vai deixar isso acontecer. Não vai acontecer... Nunca mais diga isso Toninho – e o choro miúdo de Marilza surpreende o silêncio da cozinha.

Toninho faz um carinho nos cabelos desgrenhados da esposa – Me desculpe, mulher. Não devia ter dito. Me perdoe. Vamos deixar pra lá. Deus é mais forte mesmo. E Ele cuidará de nossa menina – Fecha os dedos, entrelaçados aos cabelos de Marilza, num aperto, enquanto cerra os olhos, expulsando a força suas lágrima. Tão doídas quanto as que deixara cair ao reconhecer o corpo de sua neta, dez anos atrás. Uma linda menina de 11 anos, de pele branquinha, cabelos dourados e brilhantes, deitada no mármore do Instituto Médico Legal. Não havia mais sorriso em seus lábios, não havia mais cores em seu rosto. Apenas um buraco em seu peito, por onde a vida se esvaíra. E uma menção nos jornais de que a nona vítima do Maníaco fora encontrada.

Um assassino bestial, que arrancava mais que o coração de suas vítimas: arrancava do mundo a alegria, a esperança e a fé; nos homens e em Deus.

O peito de Toninho arde, como naquele dia distante. Porém, desta vez não podia infartar. Tinha que cuidar de Dona Marilza. Tinha que entregar os salgadinhos na casa de Dona Cleide.


10 comentários:

joselito disse...

Na boa, quando vi o titulo acreditei que se tratava do Dona "Mariza" do Lula, preocupada com o final do mandato.

Debora Gimenes disse...

Cara que história arrepiante e triste. As vezes é melhor deixar que a realidade dura não entre em nossas mentes.

Sandra Franzoso disse...

Parabéns, você chegou pra enriquecer nosso humilde blog com seus maagníficos textos.

Luísa disse...

José,
Adorei a tua história. Está muito bem encadeada, com muita lógica e realismo. Parabéns!
Grande abraço
Luísa

Francisco Castro disse...

Olá, Sidney!

Bela estória que, embora triste, nos deixa compenetrado até o fim. Muito bem escrito e com objetivo.

Abraços

Francisco Castro

LISON disse...

Saudações!
Amigo JOSÉ SIDNEY
FANTASTICO!
Com sinceridade, o suspense é envolvente a partir da metade do texto...Você é muito inteligente de forma hábil, prepara o espírito do leitor para vivenciar o belíssimo Conto!
Parabéns, meu amigo, por sua brilhante criatividade!
Abraços,
LISON.

Anônimo disse...

Joselito,,parabéns uma leitura que conseguiu me prender profundamente ,em todas as virgulas e pontos,,ainda bem que não e real ,mas nada diferente ,de uma realidade que vivemos na tv,,fica na paz,,,

Anônimo disse...

Bem envolvente o texto, e com uma linha narrativa em harmonia, suave de se ler, triste no compreender, escrita ficcional de primeira; seguindo essa linha de raciocínio terei de chamá-lo de Gabriel Garcia Marquez, tal e qual seu realismo fantástico, parabéns Sidney, muito bom, abraços Marco

Anônimo disse...

Ei Gabriel, quer dizer, Sidney...

O texto surpreende, é bem narrado,tem linha e raciocínio. Um toque de tristeza no final....

Porem o que mais me chama atenção é que, quando o conheci, (e foi em um devaneio na net) vc contava uma história muito emocionante, com final semelhante a este. Sabe que história é? Talvez a mais emocionante que eu já tenha lido neste mundo virtual...

Pense e reveja as coincidências...

Anônimo disse...

Por que nao:)

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